Ode ao Cantor

  P167  
Guilherme Batido-de-Pera | Alcobaça PT
Dantes cantavas as canções da natureza
Fazias teus os sons da terra e animais
Entoavas os cantos pelos rios e pelos campos
Mas esqueceste estes sons tão naturais
Pois viste que eras um mortal e o teu destino
Estava com os deuses que, divinos, imortais
Viviam lá no céu e para cantar para algum deus
Eram precisos minaretes, catedrais
Depois com medo ou alegria, procurando uma via
Lá abriste a boca e soltaste a voz
Acreditando que assim os deuses lá vinham enfim
Para nos salvar e abençoar a todos nós
Mas estamos sós, pois no fim nem veio ninguém
Tiveste então de endeusar alguém profano
Um ser humano em epopeias feito herói
Quem é que foi ou que não foi, foi com os anos
E já se perdeu com a história

Cantaste em cortes para os reis e para os santos
E dos teus cantos fez-se o hino de nações
Para os meninos do futuro terem espanto
Também cantarem com as mãos nos corações
Mas estes épicos são todos inventados
Queres o sagrado e então feito trovador
Cantaste à janela trovas para a mulher mais bela
E encontraste o sagrado no amor
E no fim com essa certeza, regressaste à natureza
A razão que te fez cantar com prazer
E tu que então nada sabias, com lamentos e alegrias
Aprendeste e ensinaste-me a viver

Um dia que não canta nunca quis calar-te
Disse que a arte é subversiva, imoral
As canções que fazias, eram sonhos, fantasias
Mas na verdade eram mais reais que o real
Pois queriam que vivêssemos dentro de um sonho
Representássemos tristonhos os papéis
Urdidos e aprovados por governos e papados
Defendidos por polícias, coronéis
Mesmo na fome e na desgraça foste para o meio da praça
Com a voz na boca e a guitarra na mão
Em ironias sem ter fim, rebelde, cantaste que sim
Todos sabiam que tu querias dizer não
E agora então mudaste e até nem sei quem tu és
Pareces estar tão distante da minha vida
Vais na cantiga de outro alguém, outro cantor
E agora vais na moda e cantas só
Para a lei dos mercados e dos mercadores
Agora a fama e a riqueza já são tantas
Que já nem cantas, já é tudo tão banal
Que no final não tens vontade nem esperança
De encontrar o que é sagrado e imortal
Já te contentas com sons vazios e distantes
Para ouvir num instante e depois não ouvir mais
Andar em todo o lado com os ouvidos bem tapados
E não ouvir os sons da terra e animais
E ao fim do dia ir para casa com a cabeça saturada
Já esquecido de quem realmente és
Deus, herói, mulher, amigo, vem cá para cantares comigo
E os dois juntos aprendemos outra vez

Blogger | Mod. Ourblogtemplates.com (2008) | Adaptado e editado por Flávio Flora (2018)

Voltar