Mata atlântica

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Heathcliff da Silva | São Gonçalo RJ
Restam oito por cento de teu verde
Que lá no Ceará viu os amores
De Iracema, donzela que guardava
Os segredos do líquido sagrado

Ao invasor vedado pelos deuses –
Mas traindo os segredos de sua crença
Eis que a sacerdotisa seduziu
O guerreiro que a terra deflorava.

Teu verde era lençol que guarnecia
O leito do gigante adormecido
De nariz aquilino, celebrado
Pelo francês Debret, que o avistou
“Ao som do mar e à luz do Céu profundo”
Em Itacoatiara, Niterói.

Cortou-se de teu seio um grande tronco
Para fazer a cruz da prima missa
E outros caules sangraram o corante
Que a europeia sede cobiçava.

A terra que te perde batizaste:
Brasil – nação que esquece suas raízes.
Tuas madeiras ergueram mil altares
Para um deus ignorado por teus filhos

No sertão refugiados ou extintos
(No Rio Grande do Norte nem um só).
Veio a cana de açúcar amargar
A vida dos reis bantos derrotados
Nas batalhas além do grande mar.
 Nagôs vieram regar com o salgado

Suor da pele negra batizada
(Com água que as memórias não lavava
De reinados e ritos de orixás)
A terra dos engenhos de Zé Lins.

Veio o preto café; com a Abolição
 Vieram italianos, japoneses,
Vieram desempregados, anarquistas,
Proletários da Europa modernosa,
E foram-se tuas árvores nativas.

E eu escrevo estes versos, pensativo,
Contemplando um solteiro pau-brasil
Junto a duas goiabeiras que plantei
Diante das janelas desta casa
Numa rua suburbana sem valor
— Meu tributo aos troncos derrubados,
Minha oferta a teus filhos alados.

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